26.12.07

MARIA DAS MIL PALAVRAS

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Porque é que se chamava assim, nem ela própria sabia. Toda a vida, desde que se lembrava, que a chamavam assim. Maria, Maria, ainda percebia, Tenho cara de Maria, costumava pensar, quando se via ao espelho depois do banho matinal. Tenho cara de Maria, mas tenho corpo de outra coisa, cismava enquanto olhava para o reflexo do corpo nu. O pescoço parecia que dava pelo nome de Alzira, nunca tinha gostado muito do pescoço, nem do nome de Alzira. Lembrava-lhe a criada gorda que a tia tinha lá em casa, sempre ofegante e com as bochechas rosadas, mas o mais curioso é que não se lembrava do pescoço da criada, e no entanto o seu pescoço falava Alzira. E nem era rosado, era branco e esguio com uns pontinhos castanhos.
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De seguida o olhar desceu para os seios, pequenos e ainda rijos, E vocês como é que se chamam?, perguntou com ar irónico a tender para o absurdo da situação. Gilbertas, somos as manas Gilbertas, pensou ouvir bem no centro da cabeça. Gilbertas, as mamas dão pelo nome de Gilbertas?, interrogou-se, e de seguida sorriu com o trocadilho, Manas que são mamas, realmente.
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Foi com prazer que afagou a leve curva que lhe moldava a barriga, era pessoa conhecida e desde muito cedo que lhe sabia o nome, Mercedes. Era isso, sempre soubera que tinha barriga de Mercedes, com o umbigo a puxar para o mexicano. Daí o nome, Mercedes. Mais uma vez, enquanto acariciava ao de leve a barriga, não se questionou sobre o que seria um umbigo a tender para o mexicano. Era um dado adquirido e pronto, não se pensava mais nisso. A Mercedes também não se manifestava, logo tudo estava em ordem. Onde as coisas não estavam muito em ordem era mais abaixo. Não precisou de lhe tocar para sentir o fogo a espalhar-se e a subir rapidamente pela coluna acima até se espraiar na libido meio consciente. Bastou dirigir o pensamento, cheio de recordações agradáveis e não muito distantes, para que a onda de fogo despertasse completamente a libido meio adormecida.
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Fechou os olhos e deixou-se invadir pelo torpor prazenteiro, enquanto a mente se enchia de pensamentos diversos, que se atropelavam uns aos outros, até não serem mais do que palavras que flutuavam no vazio da consciência. Mil palavras, que se combinavam e separavam, a um ritmo por vezes lento, por vezes tão rápido que não se percebia o sentido. Mil palavras que se fundiram num ponto de luz, no preciso momento em que Maria das Mil Palavras, atingiu, uma vez mais, o êxtase no orgasmo continuado, até se fundir e misturar com a realidade que a envolvia.
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Alguns, chamam a este estado, Nirvana, e passam a vida inteira a tentar alcançá-lo. Para Maria das Mil Palavras, é a forma mais agradável e natural de começar o dia.
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