29.1.08

A PORTA

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Normalmente não sonhava, embora soubesse que todas as pessoas sonhavam, e por acréscimo, ela também. No entanto, era como se não sonhasse nunca ou quase nunca. Adormecia e era como se desligasse o interruptor da luz. Acordava no momento suspenso no instante de acordar.
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O sonho não fazia parte do seu universo consciente. O que existia nesse mundo fascinante era algo que raramente experimentava, e quando tal acontecia, quer fosse um bom sonho ou um mau sonho, ficava extasiada com a vivência naquele mundo e lembrar-se-ia para sempre do sonho que tivera.
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Ouvia fascinada as histórias das amigas, contando os sonhos diários que tinham, as experiências loucas e sem sentido que experimentavam, os medos e os êxtases que sentiam, os pesadelos que viviam durante a noite. Quem me dera ter um pesadelo, e lembrar-me dele. Quem me dera ter um sonho e ter consciência de estar a sonhar, costumava pensar.
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Começou por tentar estar consciente o mais possível antes de adormecer, a retardar ao máximo o momento de passagem para a outra realidade ou consciência. Invariavelmente perdia-se no vazio, agarrada a um qualquer pensamento que se repetia sem parar, até que deixava de ter consciência do mesmo no preciso momento em que adormecia profundamente.
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Uma noite, enquanto tentava estar alerta para o momento da passagem impossível, viu-o, ou melhor, teve a percepção que alguma coisa ou alguém estava a tomar forma no vácuo que ocupava toda a consciência que ainda tinha de si. Teve a percepção no instante antes de adormecer, e foi de tal maneira forte que no outro dia, ao acordar abruptamente do sono pesado que normalmente tinha, ainda se lembrava que alguma coisa se tinha passado no momento de adormecer. Passou o dia todo obcecada com tal facto e não fosse o trabalho que tinha para fazer, teria tentado adormecer antes da hora normal e rotineira.
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Nesse dia foi para a cama mais cedo e repetiu o procedimento da noite anterior. No preciso momento em que ia adormecer, ainda teve tempo para numa fracção de segundo vislumbrar duas portas suspensas no vazio.
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O dia seguinte, as semanas e os meses que se lhes seguiram, foram iguais ao que sempre tinha experimentado. Nada de sonhos, nada. Tinha a recordação das duas portas, e essa recordação pertencia-lhe, não tinha contado a ninguém a visão das duas portas a flutuar no vazio da existência, da sua existência.
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E como sempre acontece, quando já tinha desistido de ter qualquer percepção, por ínfima que fosse, do mundo dos sonhos, aconteceu. Viu as duas portas, e viu uma luz dourada na fresta da ombreira da porta do lado esquerdo. Pensou que isso queria dizer algo, poderia ser um sinal, e resolveu entrar. Estendeu o braço em direcção à porta e viu a sua mão agarrar e rodar o puxador. A minha mão, pensou maravilhada, consigo ver a mão do meu corpo no sonho. Decidida, empurrou a porta e ficou momentaneamente cega com a luz dourada e quente que a envolveu.
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Estava tão maravilhada com a torrente de luz que a envolvia e aquecia que nem reparou na voz por trás dos vultos difusos que a rodeavam. A voz, numa vibração grave e de cor laranja dizia, Finalmente meu amor, finalmente!
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Sentiu uma pressão no abdómen, mas não entendeu o que era. Olhou com mais atenção para os vultos difusos e pareceram-lhe familiares. Eram impressões vagas de pessoas que conhecia. Uma ideia tomou forma no seu lado direito e começou a aquecer-lhe o braço. Quando focou a atenção naquela massa viscosa e quente, percebeu que os vultos eram as recordações das pessoas que tinha encontrado ao longo do dia. De todas? Interrogou-se, enquanto olhava mais atentamente para aquelas formas indistintas e leitosas. Na primeira fila julgou perceber caras conhecidas, na segunda ainda achou mais algumas, mas à medida que alongava o olhar a estranheza era total.
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Percebeu finalmente um brilho alaranjado ao longe e tentou decifrar a vibração que emanava dele, mas o sussurro cada vez mais forte de todos aqueles vultos não a deixava ouvir. Sentiu um arrepio a percorrer-lhe o corpo e começou a dirigir-se para a vibração laranja que pulsava cada vez com mais intensidade. À medida que se deslocava, os vultos afastavam-se como peixes num cardume. A sua atenção estava focada na vibração laranja, sabia que ali estava algo de importante, e uma ideia começou a formar-se junto ao seu lado direito e envolveu-lhe o braço numa luz esverdeada e sensual que lhe dizia, Finalmente meu amor, finalmente.
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Quando integrou a luz, todo o seu ser estremeceu de prazer e numa fracção de tempo, os vultos das recordações do dia desapareceram e viu-se frente a frente com a vibração laranja que pulsava cada vez mais depressa. O pulsar rapidamente transformou-se num vórtice e julgou vislumbrar uma forma no seu interior, como se fosse uma crisálida.
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O vórtice parou por fim e revelou um corpo nu enrolado sobre si próprio numa posição fetal. Estendeu o braço para tocar aquele corpo e no mesmo instante sentiu-se envolvida por um abraço forte e macio ao mesmo tempo. O seu corpo vibrou de novo com um espasmo de prazer e o seu peito brilhou em uníssono numa luz verde levemente esbranquiçada. Sentiu um afago nos cabelos e retribuiu o gesto deixando a mão deslizar até ao pescoço. Sentiu a respiração quente azulada no seu pescoço e uma voz rouca que lhe sussurrava ao ouvido, Finalmente meu amor, finalmente conseguiste chegar até mim.
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Os joelhos tremeram-lhe, um arrepio subiu até aos ombros e diluiu-se na luz azulada que emanava dum ponto no centro da sua garganta. Sentiu o calor do corpo nu que a abraçava, sentiu o calor do seu próprio corpo, também nu, constatou com surpresa. Procurou instintivamente o beijo e sentiu os lábios a queimar na paixão desconhecida e no entanto já desesperadamente querida. O beijo entrou bem no centro das costas, perto das omoplatas, e subiu até explodir entre os olhos numa torrente de luz púrpura que a envolveu e elevou no espaço virtual que ainda percepcionava.
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Vem, sente-me e ama-me, Quis dizer no momento em que todo o seu ser começou a vibrar em uníssono, no momento em que soube que o tempo se anulava e o amor primeiro cumpria a promessa de ser. Ainda visualizou as vozes, Meu amor, a mesclarem-se juntamente com as partículas que se uniam e entrelaçavam até formarem um novo ser, uno e indivisível, finalmente.
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Um novo ser de luz que ficou a pairar no vazio infinito que se estendia em todas as direcções. Além dele apenas existia uma porta. A outra tinha deixado de existir no preciso momento em que se unira com a promessa do amor primeiro. A porta que ainda existia tinha uma particularidade, não tinha puxador, só podia ser aberta do lado de fora.
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Muitos anos passaram até ao dia em que, o marido e os filhos, deram ordem para desligarem a máquina que a mantinha em animação suspensa, prolongando-lhe o coma em que se encontrava, desde aquele dia em que adormecera bem cedo e não voltara a acordar.
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Tinham-na mantido assim, na esperança de virem a descobrir a razão do sorriso, que mantinha desde esse dia. Quando se cansaram, desligaram a máquina. Finalmente.
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24.1.08

HOT

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É o Restaurante mais antigo de Lisboa, podem crer, continuava o Louis Le Clézio na sua busca interminável, pela lista infindável, de restaurantes que possuía no telemóvel. Tá bem, vê lá se ainda não está cheio, acrescentei. Tínhamos acabado de entrar na autoestrada quando ele confirmou mesa para três. Lembrei-me na altura de ligar ao Rafa. Talvez ele e a Luciana se pudessem juntar a nós.
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Liga outra vez para A Taverna e marca para cinco, pelo sim pelo não. Já de seguida madame, ouvi o Louis Le Clézio na resposta afirmativa ao meu pedido. Era Sábado, e íamos os três para a noite de Lisboa. Ainda ousaste dizer, O que é que se come por lá, mas na altura ninguém te ligou nenhuma. A conversa já andava no, onde ir depois do jantar.
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O Restaurante é mesmo por debaixo dum dos pilares do Aqueduto das Águas Livres, na Rua das Amoreiras, à esquerda de quem sobe. Como sempre acontece, demos duas voltas ao quarteirão para arranjar um local para estacionar. Arranjámos um mesmo em frente ao Jardim das Amoreiras.
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A Taverna é um local bem simpático e acolhedor. Tão acolhedor que devorámos duas entradas seguidas enquanto esperávamos pelos nossos amigos. O salpicão tinha acabado de fazer a sua despedida, quando o Rafa chegou sozinho. Apresentações feitas, o vinho que evaporava da garrafa sugeriu, implorou nas palavras sempre eloquentes do Louis Le Clézio, a encomenda rápida dos pratos. Um pato escondido no arroz, para namorar com os teus choquinhos à algarvia, fazia frente às fevras à sertã. O Quinta de Cabriz era um compromisso para o princípio de noite em tempos de crise. Mesmo assim, ficámos na dúvida e pedimos segunda garrafa. Só para ter a certeza.
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E ali estava eu, radiante no meu conjunto de fazenda e camisa branca, aparentando um ar completamente colegial, não fossem as meias pretas Admas a repor o equilíbrio. Até ousei terminar a refeição com um doce de Sericá à moda do século XVI. Os cafés foram pedidos na sempre confusão dos estilos, um cheio, um normal, um café sem ser cheio... Alguém, na piada de ocasião, sugeriu um café numa chávena vazia. E para espanto de todos, quando os cafés foram servidos, lá apareceu a chávena vazia. Servir café é coisa séria, pois então!
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Já na rua, a antiga Fábrica de Seda, transvertida de Museu de Pintura, lançava agora fios labirínticos, nos traços de Vieira da Silva, que nos puxavam para lugares sempre presentes nas nossas memórias, mas em tempos diferentes. Estávamos dentro de um quadro dela e decidimos mergulhar na tela colorida. Subimos os degraus de pedra que levavam ao jardim e dirigimo-nos ao Procópio das tuas recordações. Louis Le Clésio garantia que tinha agora o melhor Alexander’s, desde a defunta Casa do Largo. Para mim era novidade, os teus tempos de recordação vestiam-me de bibe e soquetes.
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O labirinto chamava-nos para mais uma volta concêntrica e saímos em direcção ao Hot Club. O Rafa apanhou um desvio e sumiu-se, talvez envergonhado por ter confundido o mês da minha data de aniversário. O Louis nada envergonhado, presenteou-me com uma pérola de retórica Alexandr’ina, Eu sei que todos os anos fazes anos, só não me lembro é da data...
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Optámos por descer a Rua do Salitre e parar o carro no Parque Mayer. Subimos a rua em direcção à Praça da Alegria, passando pelo cada vez mais respeitável Maxime’s e entrámos na cave mais apertada de Lisboa. O Villas Boas com o corpanzil que tinha, bem podia ter arranjado uma cave um pouco maior. Mas assim é que é Hot.
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O quinteto de Pedro Moreira estava no segundo set quando entrámos. O som do sax enchia a sala por completo e senti-te a ficar mais próximo de mim. Nas paredes sobressaíam os posters dos primeiros festivais de Jazz de Cascais. Um Miles olhava fixamente para um Sam Rivers de chapéu enfiado na cabeça. Ali mais à frente um Dexter Gordon fumando o cigarro proibido, e depois todos os outros que me tinhas ensinado a gostar. Por ali passeavam também as sombras passadas do começo dos Sassettis e Barrettos, de Marias Vianas, de Marias Maxs, de Marias Joãos e Mários Laginhas, entre tantos outros. Ainda te ouvi dizer, Olha aquela ali, é a do Zé Eduardo, o que começou com a escola.
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Na penumbra fronteira ao bar, abraçaste-me por trás e senti o teu contentamento por me teres ali, no teu espaço, no teu som, no teu mundo tão natural e por vezes tão estranho para mim. E contigo viajei no solo do contrabaixo do Nelson Cascais. Riste-te, como sempre te ris, quando te disse que me fazia lembrar os Aristogatos da minha infância. Os teus olhos brilhavam com imagens passadas, do Carlos Paredes improvisando na guitarra portuguesa o tema Song for Che, acompanhado pelo Charlie Haden no contrabaixo.
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No intervalo fomos até pátio exterior e depois ao saguão tipo filme do Tim Burton, com a sua buganvília amputada na fúria camarária. Bebendo tranquilamente uma cocacola, o incontornável Rui Neves contava histórias dos tempos que merecem histórias. Por ali passeavam ainda os primeiros passos da aprendizagem do Pedrito de Portugal, garantia ele no sorriso de olhos quase fechados. É que estão a ver, a cave do Hot era a meias com uma tertúlia tauromáquica. O que acontece é que o pessoal da tertúlia foi envelhecendo, e já morreram quase todos. Mas aqui treinavam com aqueles carrinhos com cornos.
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O último set entrou na minha cabeça com uma sonoridade que nunca tinha ouvido. A tua presença colada a mim, a identificação contigo e com o que me rodeava, dava-me volta à cabeça. O trompete do João Moreira serpenteava com o sax no improviso final e fazia-me vibrar na antecipação de estar sozinha contigo. A colegial sentia-se doutorada.
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Foi com tristeza e alegria que descemos a rua em direcção ao carro, deixando o Louis Le Clézio no Maxime’s, quiçá para verificar se o Alexander’s dali era melhor do que o do Procópio. Tristeza por ter acabado o concerto, e alegria por te ter finalmente só para mim. É que naquela altura já estava bastante Hot.
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18.1.08

O SENHOR ANÓNIMUS SÁIDE

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René Magritte - O Espelho
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Levantou-se da cadeira e foi com um certo ar de enfado que abriu a porta ao rapaz da Pizza Na Hora. Nem o sorriso meio comercial com que foi presenteado enquanto recebia a enorme caixa tamanho XL o afectou. E foi com agrado que fechou a porta e se dirigiu para o escritório, bastante desarrumado até para o seu gosto. Nos últimos tempos já não saía muito de casa e o escritório era o local onde passava a maior parte do tempo.
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Partiu a Pizza em fatias estreitas e pequenas, empilhou-as numa travessa e dirigiu-se para a mesa do computador. Era uma mesa espartana que contrastava com o resto do espaço. No centro, apenas pontuava um computador portátil e respectivo rato. Na ponta, um candeeiro de halogéneo iluminava o resto da mesa com uma luz branca que se misturava com a luz ténue do ecrã aceso.
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Matraqueou o teclado na certeza de um qualquer endereço electrónico e recostou-se saboreando uma fatia de pizza enquanto a página se resolvia na janela do portátil. Era um blog que não conhecia, virgem de si e dos seus comentários. Sorriu na antecipação do prazer e comeu outra fatia, retardando o momento sempre fascinante em que começava a percorrer os postes até encontrar um que lhe merecesse um comentário. Quando isso aconteceu, fechou os olhos como que a permitir que a inspiração o iluminasse e de seguida começou a escrever febrilmente.
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Quando carregou na tecla Enter foi o momento para comer mais uma fatia e observar o texto que tinha escrito. Começava sempre por, Anónimus Sáide, e depois vinha a prosa, venenosa e irritante, como era a sua imagem de marca. Não havia contemplações nem palavras gentis. Desde que tinha descoberto o anonimato, a sua verdadeira pessoa, o seu interior sempre amordaçado, tinha finalmente começado a falar sem ter que dar a cara ou enfrentar opiniões contrárias às suas. Era uma espécie de voyeurismo activo que lhe dava imenso prazer.
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Na travessa, jazia uma fatia fria e descolorida, quando fechou a tampa do portátil e se espreguiçou. O sol teimava em entrar por uma fresta da janela quase fechada. Já é manhã, pensou, Estou capaz de ir tomar um bom pequeno-almoço. A noite tinha sido gloriosa em comentários e tinha a certeza que o veneno que deixara iria fazer estragos.
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Estranhou quando entrou no café e as pessoas se afastaram à sua passagem, enquanto se dirigia para o balcão. Sente-se bem?, perguntou-lhe o empregado, afastando-se dele com um certo ar de repulsa. Quis esboçar um sorriso amigável e não conseguiu. A face não reagiu. Ouviu o empregado dizer-lhe ainda que, O melhor é sair para não assustar as pessoas. Quis dizer qualquer coisa, mas a voz não lhe saiu. Confuso, dirigiu-se para a saída através do corredor aberto pelas pessoas que se afastavam à sua passagem.
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Na rua, quando o polícia o interpelou, ainda teve o discernimento de tirar o bilhete de identidade da carteira para mostrar quem era. Com efeito, já não se lembrava quem era ou como se chamava, e não foi com espanto que leu no bilhete de identidade o nome de Sr. Anónimus Sáide. Espanto teve, quando voltou o bilhete de identidade para ver a fotografia da sua face, como era na realidade, e viu que já não tinha face. Tinha-a perdido na febre do comentário anónimo.
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11.1.08

ERNESTO CIENFUEGOS

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A aproximação ao Aeroporto Internacional José Martí fez-se pelo lado do mar, baixando sobre o Malecón e a zona velha de Havana. Dava para distinguir a Avenida Marginal e o começo do casario em direcção ao bairro El Vedado. Via-se perfeitamente do ar a Calle 23, “La Rampa”, como era conhecida devido à sua inclinação, desde o Hotel Nacional até ao planalto onde se encontrava o Hotel Habana Libre, o meu destino.
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Tinha passado um ano, desde que o Galuber Rocha me fizera o convite para participar no filme que estava a realizar. Na altura só me ocorrera perguntar-lhe, Porquê? Respondeu-me que o seu amigo John Cale lhe tinha falado duma radiante morena que tinha passado pela Factory, vestindo um vestido encarnado às bolinhas, muito sevilhano por sinal. Passou a noite a falar nessa mulher. Até ensaiou uns acordes para uma canção sobre ela. Chamar-se-ia Femme Fatale e seria interpretada pela Nico e pelos Velvet. É claro que fiquei muito curioso, e comecei a fazer a minha pesquisa. Inevitavelmente tive que aturar o Andy e as suas superstars, mas lá me deram o contacto do Luciano. Depois foi fácil chegar até ti!
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Confesso que na hora o meu ego cresceu desmesuradamente e a minha auto estima brilhou como se fosse uma supernova. Ia desfalecendo quando me disse com quem ia contracenar. O Jardel Filho, A Glauce Rocha, O Paulo Gracindo, O Paulo Autran e tantos outros que admirava na altura. Era difícil de acreditar, e ainda por cima nem conhecia o John Cale.
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Depois do Festival de Cannes e de Locarno, onde o Terra em Transe foi muito bem recebido e obteve muitos prémios, era agora a vez do Festival de Habana. O convite tinha sido feito pelo Governo Revolucionário, não só pelo facto de ser um filme de um dos mais controversos realizadores brasileiros, mas também pelo filme ser uma crítica velada à Ditadura Militar do Brasil. Quase que me pendurei no Glauber para vir a Cuba, desejosa de conhecer a revolução e também ter a oportunidade de rever a minha amiga Clarisse Lay. Tinha voltado a Cuba para trabalhar no Novo Teatro, e segundo sabia, contracenava com Hilda Oates na Peça Maria Antónia, estreada por Roberto Blanco, com música do fabuloso Leo Brouwer. Não cabia em mim de expectativa e contentamento.
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O autocarro militar que nos foi buscar ao aeroporto, subiu a rampa circular do hotel e parou debaixo da pala junto à entrada. Foi mesmo a tempo de evitar a chuvada torrencial que começou a cair. Estávamos no começo de Outubro, o calor era muito, a humidade ainda mais e a chuva andava à solta nestes tempos de revolução. Com a roupa colada ao corpo suado, ia morrendo de frio ao entrar no lobby gelado do Habana Libre. Vestia na altura um conjunto bastante leve, próprio para o clima de Havana, mas nada indicado para os ares condicionados dos hotéis.
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À nossa espera estava uma pequena comissão de boas vindas, rodeando uma das imensas colunas do átrio. Nos homens, os uniformes abundavam, nas poucas mulheres, duas ou três segundo me lembro, os vestidos compridos e plissados davam a tónica. A revolução ainda não tinha chegado às roupas. Foi-nos dito que como convidados, ficaríamos nos poucos quartos disponíveis do Hotel, já que a quase totalidade ainda estava afecta ao Governo Revolucionário. Seríamos acompanhados por uma guia e um funcionário, e podíamos visitar o que quiséssemos nos tempos livres, que diga-se de passagem não eram muitos. Os seminários sobre o Novo Cinema, as visitas à Universidade e às diversas casas de cultura, a juntar às representações oficiais, ocupavam os dias que íamos ficar em Havana.
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O duche já corria, o meu sorriso de finalmente ir tomar um banho, ficou suspenso no toque ritmado de alguém junto à porta do quarto. Fechei a contragosto a água já tépida e abri a porta. O meu sorriso voltou a florir no abraço de Clarisse. Até ensaiei uma lágrima ao canto do olho. Consegui reprimi-la a tempo de manter o rímel no lugar. E Clarisse sorria um sorriso bem cubano, no seu conjunto discreto de algodão. O tempo das toilletes sofisticadas já tinha passado, e agora só as provava nos adereços do teatro. Na vida real era a Clarisse Lay, trabalhadora do teatro, como era costume dizer na altura.
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Convidei-a para entrar, e entraram os dois para meu espanto. Ele, embora fosse alto e bem musculado, tinha-se mantido camuflado na sombra dela. Devia ser um guerrilheiro, pensei para comigo, arqueando os olhos na pergunta silenciosa que dirigi a Clarisse. Respondeu-me que ela ia ser a minha guia, piscando-me o olho como que a dizer que já não era a primeira vez, e ele era o membro do Governo para nos acompanhar. O funcionário, perguntei. Não, funcionário, não! Eu fiz questão que te acompanhasse um guerrilheiro a sério. Arqueei desta vez as sobrancelhas em sinal de, eu já sabia. E como se chama?, perguntei curiosa.
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Ernesto Cienfuegos, respondeu-me num português quase correcto. Combati na Sierra Madre ao lado do Che e do Herói de Yaguajay, os meus Comandantes, disse com orgulho. Depois do triunfo da revolução, quando o Comandante Cienfuegos morreu naquele misterioso acidente de avião, mudei o nome em homenagem a eles. Então conheces o Che?, perguntei com interesse redobrado. Com certeza, todos o conhecem. Mas tira daí a ideia, atalhou a Clarisse, Não se encontra em Cuba. Mas deixa estar, o Ernesto acaba por ser uma mistura dos dois, acredita, eu sei. Nem ousei ensaiar um olhar de desilusão. Eles olhavam divertidos para mim, e eu não sabia o que fazer. Só queria tomar o meu banho, tépido.
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Os dias seguintes foram como eu esperava, cansativos e suados. As batalhas intelectuais entre Glauber Rocha e Gutiérrez Alea sobre a estética do Cinema Novo acabaram por excitar os plenários e tiveram o seu ponto alto na formulação do que viria a ser a “Estética do Sonho”, em que defendia que se devia deixar de lado a violência em favor da defesa da irracionalidade como saída libertária. Essas ideias causavam algum incómodo nos funcionários, mas Glauber tinha Havana a seus pés. Era apaparicado como um intelectual estrangeiro que apoiava o regime, e perdoavam-lhe a ousadia. E eu estava também cada vez mais irracional. O clima, quente e húmido, punha-me num estado de excitação crescente. Os cheiros tropicais davam-me volta à cabeça. O rum, as limas adocicadas e os charutos sempre presentes alimentavam-me as fantasias cada vez mais recorrentes, a que a presença do meu guerrilheiro pessoal não era alheia. O Festival ainda vinha longe e já considerava Havana a minha casa.
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Nesse Domingo, o Ernesto conseguiu arranjar bilhetes e fomos ao Teatro Studio de Havana ver a Clarisse na peça Maria Antonia. Já noite cerrada, fiz questão de cearmos os três no Café «La Columnata Egipciana», o café preferido do Eça de Queirós em Havana e depois passeámos pela Calle San Rafael, deserta àquela hora, em contraste com a azáfama diurna, e dirigimo-nos para oeste, em direcção ao Parque Central. Sentámo-nos num banco de jardim em frente à Fábrica dos Charutos, um edifício bem folclórico, discorrendo sobre o que iríamos fazer no dia seguinte, o nosso dia sem compromissos de qualquer espécie. O Ernesto mora aqui ao pé, sabes? Disse-me a Clarisse num ar falsamente distraído. Olhei para ele num sorriso já familiar e fiquei à espera que dissesse qualquer coisa. Notei que estava um pouco mais calado do que era habitual nele, mas continuei a olhar para aqueles olhos verdes que me faziam sonhar com ondas do mar. Tenho umas garrafas de Caney por abrir e gelo, se quiserem, acabou por dizer. E tens-nos a nós, se quiseres, comentou a Clarisse na gargalhada cúmplice de mim.
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O apartamento situava-se no segundo andar dum edifício antigo a precisar de obras urgentes. No interior, a ampla sala impressionou-me pela altura do tecto, ainda com vestígios das decorações e frescos antigos. O resto, uma cozinha e um quarto igualmente amplo. Para os padrões revolucionários era quase um luxo, assim como o frigorifico a gás. Abri-o e não estranhei o que vi. Garrafas de cocacola e de rum enchiam-no por completo. O congelador cheio de prateleiras de gelo. Se tivesse dúvidas que o meu guerrilheiro vivia sozinho, deixaria de as ter naquele momento. Homens são sempre homens, mesmo os guerrilheiros.
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Então, onde estão as famosas limas? Perguntei no desequilíbrio de segurar três copos cheios de rum e gelo. Brindámos à revolução e continuámos noite fora, a brindar a todos aqueles rostos a preto e branco, que figuravam nas inúmeras fotos emolduradas que decoravam as paredes azul turquesa da sala. O calor e a humidade sempre presente entravam pela janela da varanda semi aberta. Estávamos meio nus, suados e completamente bêbados. Quando já tínhamos brindado a todos os rostos da sala, decidimos passar para os rostos das fotos nas paredes do quarto. Caímos os três pesadamente na imensa cama e não me lembro de ter feito mais algum brinde. Lembro-me vagamente de me ter enroscado junto ao peito dele e lhe ter sussurrado um Ernestito Querido, antes de deslizar para um sonho povoado de selvas e guerrilheiros barbudos fumando charutos enormes.
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De manhã, com o sol a entrar desmesuradamente pela janela, acordei sobressaltada do sonho que estava a viver. Assistia impotente ao espancamento de um homem no que parecia ser uma pequena escola perdida na selva. Não lhe conseguia ver o rosto porque estava de costas com o cabelo comprido a tapar-lhe as faces. As mãos estavam amarradas atrás das costas e um fio de sangue manchava-lhe a camisa suja. Ernesto acordou também, e abraçou-me com força. Correspondi ao abraço desejado e ofereci-me com querer. Quando ele entrou em mim, foi como se toda uma realidade desconhecida passasse a fazer parte integrante de mim. O cheiro húmido e fétido da selva soalheira, inundou-me na cheia das recordações colectivas. Vi-lhe os olhos fechados com força, como se estivesse a reprimir um pensamento desagradável. Puxei-o mais para mim, senti-o ainda mais dentro de mim e abandonei-me numa nuvem de cor verde. No fundo da nuvem, lá longe, uma imagem começou a formar-se. Estava de novo na sala de aula do sonho, e alguém fardado ajudava o homem sentado com as mãos amarradas atrás das costas a levantar-se. O soldado aponta-lhe uma pistola, mas as suas mãos tremem e hesita. O homem grita-lhe, Dispara, cabrón, dispara!
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O grito que ouço é o de Cienfuegos no momento em que ejacula. O grito mistura-se com os sons dos disparos que ecoam na minha cabeça. Alguém acaba de morrer e sinto o meu guerrilheiro a desfalecer na minha tristeza. Olho para o relógio na mesa-de-cabeceira, são 13 horas e 10 minutos do dia 9 de Outubro de Mil Novecentos e Sessenta e Sete. Ernesto Cienfuegos abraça-me com violência e articula no choro silencioso, Mi Comandante está muerto. Mataram el Che.
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. Clarisse Lay continuou e continua em Havana ligada ao Teatro Nuevo.
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Glauber Rocha acabou por ganhar o Prémio de Melhor Filme e da Crítica do Festival de Havana com o filme Terra em Transe, e ficou durante muitos anos ligado ao Cinema Nuevo de Cuba.
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Ernesto Cienfuegos continua fiel aos ideais dos seus Comandantes desaparecidos, levando uma vida simples longe das luzes da ribalta política.
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O Che? Gosto de pensar que continua vivo nos nossos sonhos libertários, ou como postulava a Estética do Sonho, "quando o sonho irrompe na realidade, ele se transforma numa máquina estranha àquela realidade, uma máquina tremendamente libertadora”.
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3.1.08

O SOFÁ VERMELHO

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231 East 47th Street, soletrei num inglês nada americano. O motorista do táxi amarelo com faixa preta de xadrez, também nada americano, respondeu-me com um lacónico, Going to The Factory? Respondi afirmativamente ao turbante que tinha à minha frente, e recostei-me no assento coçado, saboreando a alternância da luz e sombra dos quarteirões da baixa de Manathan ao pôr-do-sol.
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Quando por fim entrámos na Park Avenue, já a noite pintara os passeios largos de sombras alongadas e manchas de luzes coloridas das montras. Ainda era cedo, pensei. Falei novamente para o turbante cor de laranja e perguntei se conhecia o restaurante Serendipity. Respondeu-me que ficava em caminho, por isso podia deixar-me lá de seguida. Quase que nem o ouvi, a minha cabeça já pensava no enorme Frozen Hot Chocolat com que me ia deliciar.
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Deixou-me mesmo em frente ao restaurante, e como era cedo, ainda não estava cheio. Lá consegui arranjar uma mesa e pedi triunfante o dessert tão cobiçado. Olhei à volta, e fiquei bastante surpresa. Ou já estavam todos na sobremesa, ou então tinham pedido o mesmo que eu. Era o começo da lenda, não o sabia ainda, mas tal não evitou um sorriso de cumplicidade, partilhado com o homem da mesa do lado. Já tinha saboreado o seu Frozen e acendia agora um cigarro de mentol. Tinha um ar muito Kool, observei no trocadilho. Ele sorriu-me como se tivesse percebido o meu pensamento, e eu retribuí o sorriso meio envergonhada, sendo salva do embaraço pela empregada que me trazia o fruto proibido.
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Pequei descaradamente, lambuzei-me também, mas evitei qualquer pingo no vestido encarnado às bolinhas, muito sevilhano por sinal. O convite chegara no fim da sessão de fotografias de moda, e para apanhar o avião a tempo, saíra tal como estava. O casacão de pele destoava perfeitamente, mas até me dava um certo ar de chic proto-glam, embora na altura não soubesse o que isso era. Era mais uma sensação, quase que premonição. No fundo sentia-me quase como se fosse uma personagem de um conto.
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Desta vez, olhei descaradamente para o homem Kool, e pedi-lhe um cigarro. Era o ponto de equilíbrio que faltava naquele momento. Sorriu-me mais uma vez, e estendeu-me o maço branco com letras igualmente brancas em fundo verde. Tirei um cigarro e já a chama do isqueiro me convidava a acendê-lo. Thanks, disse no meu sotaque português, acentuando o a. De nada, respondeu-me com um sorriso bem trocista. Abri a boca no espanto. Fechou-ma gentilmente com um beijo na ponta do dedo. Será que sorri? Confesso que já não me lembro.
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Através do fumo branco, vislumbrei um homem muito bonito, o cabelo ruivo penteado para trás, contrastava com o fato cinzento assertoado. A gravata azul escuro com riscas cinzentas, combinava com a faixa azul escuro do chapéu de feltro cinza claro. Tudo muito old fashion, tudo muito MOB. Um ligeiro calafrio subiu alegremente pelo peito até sair pelos mamilos, tornando-os mais visíveis, para deleite do homem cada vez menos Kool.
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Como que adivinhando os meus pensamentos sossegou-me, esclarecendo que ia fazer um pequeno papel num home movie na Factory. Ia fazer o papel dum travesti que casa com uma transsexual. E agora? Dizia-lhe que também tinha sido convidada para figurante do filme? No fundo, não havia nada a esconder, iríamos contracenar na Factory. Sorri e expliquei que também ia para lá, que era modelo e que estava ansiosa por participar nas superstars. Pedi mais um cigarro, afinal estava em casa.
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Embora o Serendipity III estivesse relativamente perto de Central Park e da East 47th, resolvemos apanhar um táxi, que nos deixou em frente à fachada de vidro, entalada entre dois imensos edifícios forrados a pedra. Na porta negra de metal, enquadrada pelo pórtico neoclássico, podia ler-se o pequeno aviso a branco. Dizia simplesmente, Factory 5th floor.
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Entrámos no elevador todo forrado a folha de prata e saímos directamente no Hall envidraçado do quinto piso. À nossa espera estava o já underground famoso Joe Dalessandro, Little Joe para os amigos. Estava acompanhado de uma mulher líndissima. Foi-nos apresentada como Candy Darling, a estrela da noite. O meu companheiro deu-me a mão e conduziu-me para o interior do imenso estúdio. No tecto flutuavam balões prateados que se confundiam com a estrutura metálica também prateada. Tudo estava pintado nesta cor, as paredes e o tecto, até um telefone solitário junto às enormes janelas. Telas amontoadas junto às paredes davam a nota de cor necessária para que tudo aquilo parecesse real. As pessoas, uma multidão à primeira vista, não faziam os grupos do costume e misturavam-se como moléculas de água a ferver.
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Como é que te chamas? Perguntei ao meu companheiro. Como já vinha sendo hábito nele, sorriu-me um Luciano, e acrescentou um, Vamos beber qualquer coisa e conhecer mais qualquer coisa. Levou-me até um Lou Reed, com olheiras bem pretas, às voltas com provas litográficas de bananas amarelas. Beijaram-se, para meu espanto. Beijei-o para espanto meu, e ofereceu-me umas anfetaminas para escolher. Tirei a mais pequenina que lá havia e entrei naquela noite, vendo a minha imagem num dos muitos espelhos fracturados a fundir-se com a imagem de Luciano que me abraçava.
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Vou vestir-me para o filme, susurrou-me ao ouvido, desaparecendo por entre toda aquela gente. Tentei segui-lo, mas a minha atenção, já fragmentada, foi atraída por um Cecil Beaton que fotografava num canto o anfitrião Andy Wharol, de joelhos com um vibrador nas mãos e uma loura seminua por trás agarrando os peitos. Vim a saber depois que era a Brigid Polk, famosa entre outras coisas pelas infames Tit Paintings. Saí do transe quando ele me perguntou se podia fotografar-me. Nua?, perguntei. Como quiser, respondeu. Devia ser o efeito do vestido às bolinhas, muito sevilhano por sinal. Quando centrou as objectivas da sua Rolleiflex para mim, num impulso, levantei parte da saia e mostrei o sexo a ficar cada vez mais com vontade própria. Agradeceu-me com um sorriso e um aceno do seu inseparável chapéu de abas pretas. Um senhor, no meio de já não sabia bem o quê.
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Pareceu-me ver o Fernando Arrabal na conversa com o Truman Capote. Achei curioso o que é que o autor do El Entierro de La Sardiña tinha para falar com o autor de In Cold Blood. O que é que a poesia em movimento, ou o teatro Panique, tinha que ver com o romance de não-ficção. Se calhar tinham em comum as anfetaminas. Aproximei-me deles, mas fui interceptado por uma mulher ruiva que me abraçou e levou pela mão até um canto do estúdio. E vi, no meio dos quadros de silkscreen, o sofá encarnado. Brilhava na luz da minha segunda anfetamina e parecia que emanava nuvens de pontinhos brancos que ficavam a flutuar. Deixámo-nos cair no sofá e nova nuvem de poeira branca a envolver-nos. É cocaína, disse a minha companheira, basta cheirá-la. Olhei sem muita certeza para ela, e vi-o por trás da maquilhagem, era Luciano.
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Num impulso mais que desejado, beijei-o com sofreguidão. Senti-lhe os mamilos erectos no peito suave e gostei. Acariciei-os na luxúria de Lesbos transvertida. Tinha posto um daqueles vestidos de lantejoulas preto brilhante, muito curtos, e umas meias prateadas lindíssimas com uns sapatos de verniz encarnado vivo. No mínimo, bastante pop. Senti a sua mão a subir pelas minhas pernas e abandonei-me às suas carícias. Ninguém reparava em nós, e mesmo que reparassem, na altura estava-me nas tintas de dentro da minha bolha encarnada de desejo. Beijei-o uma vez mais e quase no orgasmo, as minhas mãos deslizaram nas meias brilhantes até chegarem à carne quente e nua das coxas. O prazer que tive foi tanto que tudo se começou a fragmentar, como os espelhos que nos rodeavam. Ainda senti o calor abrasador e húmido do seu sexo, feminino.
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Abri os olhos a custo, com o foco dos projectores mesmo apontados para o sofá vermelho onde nos encontrávamos. O filme do casamento ia ter o sofá por fundo. Luciano ajudou-me a levantar e meio zonza procurei a obscuridade. Quando ele me abraçou sorridente, não o repeli, mas perguntei-lhe, Afinal quem és tu, Luciano? Eu, começou por responder, Sou uma actriz cubana, que por vezes se veste de Luciano, para depois fazer papéis de travesti. Apenas isso. E como te chamas? Não tem importância, mas pode ser Clarisse Lay.
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E Candy Darling fez o seu último filme de casamento entre transsexuais e dragqueens, enquanto Lou Reed conservado em heroína e Speedballs iniciava com os Velvet Underground um passeio pelo lado mais selvagem da vida. Os outros, desde Andy Wharol a Jean Michel Basquiat ficaram pela excessiva nas nossas memórias, mesmo que imaginadas, e revivem sempre que alguém toca o Just Take a Walk on The Wild Side.
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